Matos, Benedita de / Escritor
A poesia encontra veios para simbolizar o que, no mais das vezes, não vem a lume pelo ordinário arranjo de palavras ou sequer ressoa num significante próprio. Daí a necessidade de compor acordos textuais para dizer do que, à primeira vista, se mostra indizível, notadamente por meio daquele expressar corriqueiro.
Compondo seu modo peculiar de exercitar o dizer poético, Benedita de Matos, graduada em Moda, no Brasil, mestre em Criação Artística Contemporânea pela Universidade de Aveiro e mestranda em Filosofia Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em Portugal, nos apresenta este comovente A minha pele arde como o sol quente que nela ecoa.
A maioria dos poemas aqui contidos foi gestada durante a reclusão pandêmica e sob o fumo das queimadas que assolaram algumas cidades portuguesas. Na própria expressão da poeta: no insuportável calor de um apartamento vazio, era difícil até de respirar. Mas foi um encontro comigo mesma.
Aí, talvez, tenha nascido a Benedita poeta, pois crava: Giro a ponta dos pés/Até ficar de ponta-cabeça». Ou ainda: Quero segurar o tempo/(entre minhas próprias mãos)/Como quem segura a chuva/(que nunca cai)».
A poesia de Benedita de Matos é uma tentativa de deslindar fios e tramas que tecem e vestem nosso viver. Viver que, no seu caso, também foi adensado pelo habitar chão estrangeiro, apesar de estar na terra da língua-mãe.
Aqui está sua poesia de existir. Versos sobre o viver, suas impossibilidades, possibilidades, afetos, emoções; seus fantasmas e suas potências.
Poesia de persistir. Versos viscerais, de tons densos e arquiteturas comoventes.
Poesia de aludir. Versos de observar a cena do existir, de céus, mares, asfaltos, tempestades, chuvas
A poesia de Benedita de Matos retraça um olhar pervasivo, de quem vive e assiste ao existir, de nós e de si.
Nohêmia Santos Lima
poeta e jornalista