Castro, Felipe / Escritor
Mil novecentos e noventa e seis. Eu tinha oito anos e eu costumava dançar na sala. A minha mãe nunca se importava com a música alta e o meu pai quase nunca estava em casa. Eu girava, saltava, inventava coreografias, imitava os meus artistas favoritos, imaginava um microfone e sonhava. O suor era o lÃquido que transformava o chão da sala em palco. Eu era feliz.
Um dia, o meu pai me viu na sala. RÃspido, disse que a música estava muito alta. Eu diminuà o volume e continuei a dançar. Mas não pareceu suficiente, o meu pai voltou à sala e, ainda mais áspero, desligou o som com a justificativa de que queria ver a tv em paz. Respondi que ia usar o walkman. Eu só queria dançar. Ele saiu de casa visivelmente agitado. Eu dancei.
Mas esse foi só o primeiro dia. Depois houve outro. E outro. O meu pai bebia. Eu só queria dançar. O sofá cheirava sempre a cerveja. Eu confundia com o cheiro do meu pai.
— Homem não dança desse jeito!
Â…
(O que é ser homem?, pág. 13)