Ferreira da Cunha, Paulo / Escritor
E o mês de setembro era decerto o que mais eu aproveitava. Não é que os demais não fossem deliciosos. Mas não possuÃam aquela calma, aquela penumbra já a anunciar a queda das doiradas folhas das árvores no mês seguinte. Um anúncio que só por si era uma latência confortante.
Até setembro, era a praia. Como que em preparação, a minha avó, sobretudo, a que vivia connosco (ou melhor: nós vivÃamos com ela, porque ela era a grande matriarca — uma matriarca moderna, mas ainda assimÂ…), pegava em mim e nos meus irmãos e levava-nos no seu rubro Citroën Dyane (apinhado) para a praia do Homem do Leme ou do Molhe, ou ainda EmÃlia Barbosa, ou principalmente Allen, ali na Foz. Dependia dos anos e das vagas nas barracas que arrendava, embora (sobranceiros então ao rigor do léxico jurÃdico) sempre disséssemos “alugava”. Nem era longe de casa. Mas ela não tinha assim tantos pretextos para conduzir. E gostava. Como aliás de fumar e de usar calças compridas, por vezes mesmo com botas à cavaleira. Era uma mulher emancipada. Alguns seriam levados a dizer “para o tempo”. Mas tudo é localizado num tempo, e fazer confusões e décalages cronológicas só cria descompassos. Eu não acrescentaria nada a essa consideração. Emancipada. Ponto.
(Pecado original, página 18)