Nilo Nunes, Luiza / Escritor
Leitor, leitora, tens nas mãos uma coluna de sangue, uma linhagem de mulheres. Elas chamam-se Vénus ou Eva, Salomé ou Ofélia, Ana ou Ava. São muitas, e são uma só; existem agora, existem em todos os tempos. Cada qual descobre em si a matéria do corpo, a fervura do prazer, a inesgotável surpresa de existir; mas também, em torno, a lei dos pais, das hordas, dos álbuns de famÃlia; a ameaça dos predadores, o horror sempre latente. Leitor, leitora, esta é uma história de metamorfo-ses: do espanto com que um corpo descobre em si desejo, matéria e pujança, do inebriamento com que reconhece a mais Ãntima proximidade com os animais, os elementos, a cúpula celes-te. Porque tudo se parece, se aproxima: corpo e mundo, desejo e matéria. Mas esta é também uma história assombrada por mortes, assassina-tos, uma ordem instituÃda, a sua força asfixiante. Mais ainda: esta história diz que tudo é duplo, tudo é ambÃguo: as águas que baptizam também afogam. E, contudo, à s vezes das águas profundas um corpo ergue-se, redivivo, mais forte, aspirando sofregamente o seu quinhão de ar.